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O Copo





Um copo vazio em cima da mesa
Esteve cheio
Ontem ao deitar

Nesse copo havia espelhos
Havia sonhos dentro do brilho
E um tempo salgado
Onde flutuava a esperança...

Em cima da toalha
Deitado sobre a sua brancura
Enche-se de sombras esse espaço agreste da memória
E o copo deita por fora
E o passado flutua...

As eternas questões precipitam-se...
Onde estás tu?
Menina que amo desde criança?
Onde estás?
Onde estou?
Porque nunca tive a coragem de te explicar o sentir...?
Porque perdi?
Porque perdeu o copo a água em que navegavam gestos..?...
E os dedos quentes, sólidos de saudade
Murmurando a noite vazia
Uma lareira crepitando
O tempo dilacerado
De um ser menos que o fim...

Oh... rosto de menino
Aos sete anos adormecido no sofá
A sonhar com aquele olhar verde azulado
Cor de mar em rebeldia
E soluçava quando percebia
Na sua inconsciência consciente
Que o sonho era impossível
E no horizonte do universo
Ele estava longe de tudo...

Na melodia de um sonho
Abriam-se ideias mágicas
Heróis, homens-pássaros e espadas encantadas
Histórias e bruxas e fantasmas
E o fogo agitado
No braseiro cinzento...

Uma caneta
Folha de papel
Num canto dois quadrados
Sim ou não
E a pergunta ingénua mas sincera
- Queres namorar comigo?
Uma flor daquelas do jardim
Amarela, que não havia outras
E a cruz no não
E a lágrima caída
E nunca ninguém entendeu
A força daquele momento
E o seu impacto no tempo...
E a força oculta daquele silêncio..

Ontem...
O copo estava cheio
Hoje está vazio e nulo, aqui
Não há água, nem verso, nem prosa, nem alma a vibrar
Há uma metáfora esquecida em que o tempo se entreteu a brincar
Há um olhar para sempre
Tentando ocultar a dor de ser nada.
E o copo ficará para sempre assim: vazio!
Porque o tempo que havia para acontecer passou
E agora é tarde demais.



Pedro Campos.



Naquela noite

Longe demais para hoje

Lembrava a tua forma

O teu sorriso

A tua boca

O cheiro das cartas que me escrevias

O som do silêncio

Puxado nos vazios

Da solidão

Como um cordel que mantinha o fascínio

Suspenso perto de mim

Como se fosse em ti

A vida uma salvação

De destinos perfeitos...


Pedro Campos.




Será que fui eu que parti
Para algum lugar longe de mim?

Será que deixei em branco
As folhas do bloco de notas?

Vadias as palavras viajando em silêncios
Enquanto morro em movimento...

Terão sido as jaquetas e os casacos
A razão de ser um ter sido...?

Talvez que o medo desagúe
Liquidamente no cerne das coisas...
E aqui, longe da solidão...
Aqui... possa emergir um cavalo de prata
Na sublimação metálica de um grito de adeus...

Adeus...
Feliz... digo adeus...


Pedro Campos.

Despiste




Bateu fundo

O teu gemido
A noite assustada
Na madrugada alucinada
Com o estrondo profundo
De um despiste sem cor
A tua dor é vermelha
Como esse sangue sem sabor

Pedro Campos.

Metamorfose




Ontem
Olhava o relógio
E via nos ponteiros uma intenção diferente
Uma força de rebeldia
Que puxava pelas cordas do engenho
E expressava em palavras surdas
Os instantes cessantes
Na maré do cais

Ontem
Não acertava o relógio
Todo o tempo tinha o seu tempo certo
E não havia instantes esquecidos
Lúgubres momentos ecoantes no pensamento
Como obcessivos dilemas morais
Flutuando em lagos de lamúrias...
Na superfície da água...

Hoje
Relógios sem energia
Acerto e reacerto constantemente os momentos que passam
Espero revê-los, passados no amanhã
Decerto a fantasia irá chamar por mim
Ao amanhecer
Decerto também a noite será como uma ruína de um castelo de uma história de príncipes e princesas
Decerto... a rua toda perca o sentido de caminho
Porque... decerto o destino já se desfigurou
Em algum areal de uma praia qualquer
Num qualquer dia de húmido nevoeiro
Em qualquer espelho derretido... uma saudade diluída nas lágrimas alheias de uma doutrina espectral inelutável
Em que tu... escutas... calada...
O som do silêncio...

Mas...
Tic... tac... tic... tac... tic... tac….
O relógio afinal continua a tiquetaquear… e o tempo não parou...!
Ainda há esperança para que o fim não seja hoje... agora... já...
Ainda há talvez uma fórmula nova à espera de ser descoberta...
Ainda há...
Ainda há...!...

Ainda há frieza...
Calor...
Ainda há... também... madrugada... e sol e dia...
E há noite e sal nos pratos feitos de liberdade prisioneira de vãos espaços... unidos na ausência...
E há... solidão a espantar a alma... e tristeza a fechar os olhos e a estigmatizar as mentes... e medos...
Há medos que fazem surdos os ouvidos e cegos os olhos...
E gestos que mudam tudo.... no momento certo...

Ainda há... saudade...
Ainda há... amor... também...
Esperança... afecto... ternura... feridas abertas...
Facas afiadas e revolveres feitos de letras e palavras... em que as balas são lançadas nas madrugadas em que os sonhos não condizem connosco...

E há a loucura....
Ainda há... lucidez...
Lucidez... em cada vez que vejo a minha loucura... a minha febre... o meu instante...
E batem... bombas... tambores... instrumentos apoteóticos...
Espelhos de vidros impossíveis... estalam...
Rotas cruzam-se...
Testemunhas rendem-se à evidência de não terem testemunhado nada...
E mentiras penetram fundo nos lençóis plasmáticos da alma destruída...
E ainda... há... imensidão...

A cor do asfalto não é mais da mesma cor e os trajectos são feitos de mármore e o chá está aqui... a arrefecer... e a garganta não me deixa falar...
Estou numa noite em que eu não sou eu...
- Então... meu velho amigo? Como estás?
- Cá estou...! Sou o mesmo nos mesmos tecidos e nas mesmas vitrinas de abstracção.
E afinal... depois de, nesta noite, ter havido tanta noite tão cheia de noite...
Cesso-me aqui...
E adormeço concentrando atenções no ritmo do passar dos segundos...
Fecho os olhos exaustos e saio...
Afinal...
Ainda há... algo que restou à tempestade...
Ainda há um ser humano aqui.


Pedro Campos.

Fernando Pessoa "Não sei ama onde era"

Whitman "Leaves of Grass"


Pensar é estar aqui
Deambular pelo tempo
Percorrer caminhos novos
Em terras distantes
Sempre.. aqui

Pensar...
É ir além de nós...
No alcance inadiável de um profundo infinito...

Pensar... é ser...
É ser tudo e nada...
E nada poder ser
Na antítese plena
De pensar o impensável
De falar o indizível
Ouvir o inaudível...

Pensar...
É atingir o passo mágico da imaginação
É ser o aqui e o agora...
De um tempo que transcende as fronteiras do real...

Pensar...
É estar vivo...
E apaixonado pela singularidade do instante.


Pedro Campos.

Apenas existir

Liberta-te dor!
Solta de mim esse peso
Afaga-me com sentimento a pele suada
E sob as cores de um horizonte esquecido
Lembra-te que foste até à beira do abismo
Lembra-te que todos os teus passos
Foram os meus pés que os caminharam
Todos os meus dedos que sentiram a textura do caminho
E a dureza da solidão

Por isso...
Por muito mais...
Livra-te de mim... dor!
Que o tempo que há...
Quero-o apenas para ser menino em ilusões
De felicidades e alegrias supremas
Sem espaço para dilemas nem questões....

Por favor!
Quero cair... aqui... inundado de ignorância
Com os olhos sem ver...
E a alma anestesiada... com as cores dos lírios do jardim

Por favor!
Quero um querer que não doa
Um estar que seja apenas estar...
Um ser que seja apenas existir...
Acordar, adormecer, comer, beber
E quando alguma dor surgir... morrer...!
Morrer entre os véus...
De uma musa que irei inventar
Quando a dor chegar
Aqui.

Até lá, tremoços, um copo cheio sobre a mesa e a singela alegria
De apenas existir.


Pedro Campos.

Porta n.º 53



Quando anoitece
Aqui estou eu
Uma vez mais sentado à porta
Número 53.

Sou eu ou tu,
Ou ninguém, talvez.
Sou o verso alado da esperança
Em que crê quem já não espera nada...

Assim, aqui...
Deleito-me a saborear
Aromas e paladares
De experiências feitas sem guia
E tu...
Trazes a comida...

Deslumbrante a pele
Divagante no sentir que mostras
Qual caravela flutuante
Em dossel de armadura bela

Acordo a pensar nesta certeza
Que o desenleio das minhas incertezas
Me leva até ti, doce desconhecida...

Tens voz doce e branca e sublime...
Como as lagoas de natureza viva à tua volta
Acariciadas por árvores que lhes definem fronteiras
E as protegem da sorte
Ou do azar...

Se eu pudesse...
Oh... se eu pudesse...!
Se fosse capaz de dizer-te quem sou
De falar-te do que vejo
Do que sinto
Do que quero....
Do que penso aqui...
Sob o firmamento...!

Se eu pudesse...
Mostrar-te a minha cor
E beijar-te com fulgor
Esses lábios de carne suculenta... pele clara.... em moldura negra...
Perfumados com aroma de amora e mel
Sob a sombra de um Alecrim florido...
Que desabrocha nesse canteiro adormecido
Frente à porta número 53...


Pedro Campos.

Acorde menina!


Vá... acorde menina!
Não quero ficar todo o caminho às escuras
Sem saber se o que imagino é possível ou não
Quero que me fale de viva voz!

Vá... acorde menina!
As cortinas estão já corridas
E do Este nota-se um nova luz bela
Revirando o olhar em todas as direcções

Ande, dê-me a sua mão neste carrossel
Sem medos, que o medo atrasa o andamento
Destes cavalinhos em festa em cima destas ondas de risadas tontas

Vá, venha comigo!
Que agora vamos saltar de cima desse penedo cheio de cor
E então ficarei a saber se é possível ou não
Encontrar a fonte do amor

Que o amor...
É esse infinito que há na alegria... antes de terminar...!

Pedro Campos.

Vem




Vem
Vem que o tempo dir-te-á o que és...
Vem
Descobre o que é o brilho escuro da noite
Talvez compreendas o que me faz atirar papagaios de papel pela janela do universo
Enquanto dou um trago de vinho do Porto, sucumbindo à amargura das horas
Em que as unhas se desfazem roídas de ponta a ponta
Como uma rocha desgastada pela erosão

São essas mãos assim
Como o precipício
Que me separa da verdadeira imensidão
Que é o sonho profundo e belo
Que sou eu e tu
Em volta de um cavalo a voar...



Pedro Campos.

Quando o tempo chegar


Como um assobio absurdo
Que sobra no ar do caminho
Não sou mais que um sopro leve
Vestígio ténue do vazio

Na janela da encruzilhada
O embalo subtil me embala
Sou talvez o teu diário
Que fechaste sem escrever nada

Quando o tempo terminar
E as folhas amarelas tu pisares
Serei menos que esse sopro
Menos que o respirar esquecido
Menos que o calor do grito

Quando o tempo terminar
Haverá apenas a certeza de que um dia fui
Absurdamente... nada

Quando o tempo terminar
Serei alguma coisa que passou...
Perto de alguma coisa que me viu passar...

Quando o tempo terminar
Serei tão somente a esfera mínima de força
O nano-universo último
A anti-matéria explosiva que sacudirá os mundos em mim

Quando o tempo terminar
E já não existir mais tempo para me queixar
Então recolherás as minhas folhas amarelas, a caneta perfumada e a solidão deixada orfã
À luz da manhã

Quando esse tempo chegar
Irás ler o que deixei
E entender que todo o caminho que percorri
Trouxe-me onde estou agora
À montanha imensa da verdade
Sem filtros a negar quem sou
Sem utopias a definir o destino
Serei apenas eu...
E o tempo que acabou!

Pedro Campos.

Contrário


Deleito o tempo aqui
Desfaço papoulas azuis em creme silêncio
Que o silêncio me eleva ao vazio

Aqui adormeço
Todas as noites como todos os dias
O poema absorto
Que a metáfora faz de ti
A metáfora

Sou louca de ternura
E sozinho me acompanho em multidão
Sou o expoente de não ser eu nem mais que eu
Eu só eu sou vazio
E sou neutro
De não ser nada
Do que os outros são

Sou o contrário de tudo...!


Pedro Campos.

Oculto-me




Estou oculto
Ninguém me vê nesta sala cheia de fumo
Omito a voz
Invisíveis os dedos e os olhos e sonhos nús
Transparências onde exibo o que há cá dentro
A montra da saudade
Com saldos prontos a comprar
Ternos ventres abandonados ao relento
E poemas, muitos poemas que já não escrevo
E ninguém me sente...

Sou agora despercebido
Cálculo impossível de resultado
Sou o fragmento de um limite ultrapassado
Ósculos ardentes, volúpia e secretismo
Agente disfarçado da ternura
Observo o crepúsculo
Sentado nos degraus da casa antiga
Com cal nos braços
Transformo-me numa película leve e esvoaçante
Nuvem gelatinosa de confusão
Armadilha perene de loucura
Sou o diapasão ignorado do som do peito
E quedo em vitrais de eloquência
Onde a hipótese de eu ser eu agora
É tão remota quanto a hipótese de ser ninguém...
.
E disperso-me.... na sala ambientada com melodias clássicas
Castiçais com luz, cortinas vermelhas ao fundo...
E um palco em que se eregem discursos recheados
Lugar do meu monólogo permanente
E me delato... como pensador da liberdade...
Aprisionado ao tempo errado ou certo de pensar e ser
Que sendo errado ou certo... é sempre prisão...
Porque sendo é-me impossível abdicar de sê-lo
Porque pensando é-me negado toda a possibilidade de pensamento.

Se eu pensar, há coisas que não poderei já pensar...!


Pedro Campos.

À tua frente...


Acorda
Tens à tua frente as galáxias aos biliões
Cometas, estrelas, planetas distantes
Poeira infinitesimal
Um universo no universo
Um templo à espera de erguer-se no vazio
E quebrar no topo do mundo
A aerodinâmica do vento....


Pedro Campos.

Nulas palavras


Nulas palavras...!!!
Mensagem ausente
Grito aqui!
Sou um comboio a vapor
Sem mais linha para correr....
Pedro Campos