Traduzir / Translate this blog

Por dentro do pensamento - III - O Rio

Pintura de Duy Huynh -  Whatever Floats Your Boat



III




Estás residente no pensamento
E não consigo desalojar-te
Impregnas-me de saudade
Que a tua alma é agridoce
                                                                                                                                                       .

Por dentro do pensamento
És a fluidez dinâmica de um acontecer sem escapatória
Como um barquinho de papel ao sabor da corrente do rio 
No seu curso até ao oceano.
                                                                                                                                                       .

É que, tal como a água do rio, que evapora, se condensa e precipita
Ainda assim, esses pingos de chuva que caem, são pingos feitos da água desse rio... 
São essa substância figurada
Que transcende o entendimento.
                                                                                                                                                       .

É por isso
Que sou sonho e utopia e ilusão...
E sou esse rio imenso que passa entre as margens do tempo
E tu, és essa água que lhe dá forma e cor e vida
E se não fosse a água que habita o rio
O rio seria nada
E eu não seria o rio!
                                                                                                                                                      .

Assim será
Sem o deslumbre desse incolor movimento
O rio secou.




Pedro Barão de Campos.

Por dentro do pensamento - II



Pintura de Duy Huynh - A Chorus From The Brain Forest

II



Será que as paredes me escutam?
Será que eu próprio consigo escutar o que há do lado de dentro do pensamento?
Que endofasia constante é esta que me alucina?


É tão simples...
Há tanta coisa que me falta encontrar em ti
Tantas perguntas
Tantas respostas sem perguntas
Que o tempo de indagar está no fim...


Ainda estou aqui?
E os sinais, onde estão?


Sou poesia...
Sou poeira...
Mas porque continuo a pensar em ti?






Pedro Barão de Campos.

Por dentro do pensamento - I



Pintura de Duy Huynh - Songbird Sabbatical 

I



Porque estás dentro do meu pensamento
Mesmo quando eu não estou aqui?
Porque és sempre esse gesto e essa cor... tão forte... intensa...
Ainda que feche os olhos e nada vislumbre além do escuro dentro de mim?


Qual é a direção do teu sorriso quando este se incendeia?
Que eu ainda não descobri...!


Por vezes, és como um navio a navegar em maré cheia
E tens velas emproadas... e a direção é a do vento que passa...
Não há bússola que te sirva
Nem carta de marear que me previna
E eu nunca sei o que esperar
Dessa viagem à bolina...


És por vezes a cor da melodia
Que acontece entre o beijo e o abraço
Incolor, à margem da fantasia
És a vertigem no instante sem espaço


É que não consigo não pensar-te
E o silêncio é o esboço de um retrato que transcende o papel
É o expoente da poesia levada ao abstracto
O pensamento cá dentro
É o clímax de todas as metáforas que faço


É que o pensamento está dentro de mim
E tal como a água dentro do rio
Tu és parte desse pensamento... no pensar que acontece aqui.


E se acaso, o pensamento, por razão insólita, fosse alheio ao que sou agora
Ainda assim, tu serias a essência, a substância oculta que persistiria
A tudo o que findasse em mim.






Pedro Barão de Campos.

O lugar do medo






Estou aqui
Onde a noite se precipita
Líquido como um beijo
Leve como o vento
Sou a sombra que não vês
Numa rua que nunca cruzaste.


Rodopio, como num turbilhão
Desloco-me à velocidade do pensamento
Mas o pensamento morreu!
E agora...
O que ainda faço aqui?


Existes tu..
Existo eu...
Muitos mais guardam-se ainda
Dentro do pensamento que morreu


Além, nada mais existe
Só uma utopia
Só uma ausência
Só um silêncio
E então? Para quê?


Para nada! Um vão ser...
Um espaço incolor
À procura de um espectro
E os olhos, onde estão?


Os olhos, esses, redondos, vidrados, num "flow" permanente...
Para que lado estão voltados afinal, no momento em que deixas de respirar?


Será que olham para as paisagens inventadas em cartolinas recortadas com formas da natureza?
Será que se preenchem das visões cinematográficas de quem foram? Serão ainda capazes de olhar?
E o lado de dentro? Onde está o céu azul a enfeitar-te do lado de dentro? 



Mas...
Há qualquer coisa que persiste
Um dedilhar de cores
Um frenesim dentro do sangue a fervilhar
Um correr de alegria atravessando-se ao tempo
A melodia em crescendo a acompanhar-me
Um breve sorriso, o Sol a encadear-te os olhos
As tuas pernas tão perto das minhas pernas
A janela paralela ao infinito
Um piano a tocar... e os dedos nas teclas... acorde após acorde
E o amanhã, sempre ali, ao alcance de um salto!
Mas o salto nunca acontece
Onde está o medo.
E agora...?



Agora, estou aqui, numa estranha espera
Onde a vida se precipita
Líquida como um beijo
Leve como o vento
Sou uma cor que não vês
Numa rua onde nunca foste além da esquina dos teus medos.
Mas a vida é prisioneira
Onde está o medo.


E qual será o lugar do medo?



Pedro Barão de Campos.